terça-feira, 1 de julho de 2008

BREVE CONTO DO MAR

Vistosa a moça, em seu vestido branco, a caminhar pelas areias da Praia de Camburi.
Entre um passo lento e outro calmo esbarrava nas poucas conchas que o progresso por ali deixara.
Caminhava sem pressa e pensava em sua vida, que em comum com o azul daquele dia raro do inverno, só tinha a inconstância do azul do céu.
Caminhava olhando o horizonte que mostrava um sol tímido, por vezes escondido entre uma nuvem e outra.
Observava as varas de pescar fincadas na areia e seus pescadores de ocasião que, como ela, olhavam atentos pra lugar algum.
Observava os casais que se abrigavam do vento, abraçados nas pequenas encostas que o mar acabara de entalhar na areia.
Cabelos longos, pretos como os da canção que tocava em seu pequeno aparelho e que ela, desatenta, se deixava ouvir.
"Black is the colour of my trues loves hair..."
Sim, era amante de boa música.
Gostava de Nina Simone, Billie Holiday, gostava de Elis.
Era amante dos livros e comum era entre seus pensamentos naquele dia, passagens que tinha lido, passagens que estava lendo, passagens que, talvez, um dia viesse a ler.
De seus passos lentos, resultou uma grande caminhada.
Quando deu por si, já estava próxima à estátua de Iemanjá.
Parou por instantes a contemplar a moça de vestido azul e braços estendidos, esculpida sem muita maestria e ali fincada há anos, impávida, com seus cabelos que não balançavam ao vento.
Continuou seu trajeto, agora percorrendo o caminho até o ponto de onde havia partido.
Seu aparelho agora tocava "Lady Sings the Blues" e ela, displicentemente, começou a cantarolar.
Sentou-se à beira mar e sentiu a água gelada molhar seus pés.
Neste momento, divagou, perdeu-se entre seus pensamentos e adentrou a água fria.
Seu vestido, colado ao corpo, mostrava a silhueta bela e esguia daquela mulher que caminhava para esquecer que, a pouquíssimos dias, havia perdido um grande amor.
Não. Não o havia perdido para uma mulher mais bela.
O havia perdido pelo simples e comum hábito de perder-se de si mesma e de todos os que a pudessem rodear.
Mergulhou.
Abriu os olhos e pode ver, no turvo da água, pequenos peixes que a acompanhavam.
Tocou os peixes e eles, como que extasiados por sua presença, aglomeraram-se à sua volta. Aglomeraram-se de tal forma que ela não percebeu que já não eram só os de tamanho pequeno que a circundavam. Era um cardume de peixes das mais variadas cores e tamanhos.
Deixou-se levar e se erguia da água com frequência cada vez menor para respirar.
Seu aparelho não tocava mais música alguma, só lhe restara o som dos pensamentos.
O céu já enegrecera e, tal qual a Iemanjá, ergueu-se das águas, voltou a areia e esperou o dia de seu próximo caminhar em direção a si.

* Este breve conto foi escrito ao som de "Canção do Mar", interpretada por Dulce Pontes. Para ouvir é só seguir o link.