quinta-feira, 14 de abril de 2011

BEATRIZ (parte 2)

- Eu vou voltar a lhe dizer, moço.  Eu não faço mais essas coisas, nem com tu me pagando.  E preste atenção numa coisa, eu já me deitei com quase tudo quanto é homem destas redondezas e com muita mulher também.  Se eu quisesse cobrar por alguma coisa, eu cobrava era por isso.
- Olhe moça, eu não vim aqui pra ofender não.  Eu tô é lhe pedindo por favor.
Baixou a cabeça e, como se a entregasse ao carrasco da guilhotina, teve um ataque de choro que quase o fez perder a respiração.
Beatriz, a quem a emoção poucas vezes tivera a oportunidade de alcançar, estendeu a mão e segurou o rosto do homem.
Venâncio era de uma cidade que distava a uns cem quilômetros dali.  Era moço bonito, de seus trinta e poucos anos, rosto quadrado, cabelos pretos e corpo talhado pelo trabalho árduo.  Trajava naquele dia uma calça jeans apertada que lhe moldava as coxas grossas e esculpia o tamanho de seu membro, mesmo que essa, nem de longe, fosse a sua intenção.
 Beatriz tomou a mão direita do estranho que começava a intrigá-la e se pôs a fitá-la como se dali pudesse extrair passado, presente e futuro, numa mistura que sua mente torpe começou a não mais compreender.  Nascimento, vida e morte começaram a se embaralhar diante de seus olhos, numa dança que sua simplicidade sequer podia acompanhar.  Apertava-lhe a mão e percebeu que esta começou a sangrar, tal como se afligida por um estigma.
Foram mais de trinta minutos que só cessaram porque o céu se abriu numa tempestade incomum por aquelas bandas.  Em pouco tempo, o sol escaldante deu lugar a um cinza poucas vezes por ali visto.  As poucas árvores pareciam bailar ao toque do vento forte e as gotas pareciam pedras de água tal qual o estalido que faziam ao tocar o solo.
Encharcados, Beatriz e Venâncio saíram, mãos dadas, sangue ainda a escorrer e meteram-se na primeira construção abandonada que puderam avistar.
- Me desculpe, moça.  Eu acabei fazendo você ficar encharcada.
Beatriz aproximou-se e, sem palavra alguma, arrancou num só puxar a camisa ensopada de Venâncio.  Aproximou-se mais e ele lhe rasgou o vestido com a mesma ânsia.  As mãos de Beatriz, acostumadas ao trabalho rápido com braguilhas, logo seguravam o membro duro de seu mais novo amante.
Pela primeira vez, o pau que lhe adentrava a boceta úmida causava-lhe arrepios e prazeres com que nunca pudera sonhar.
Fuderam como poucos durante toda a tempestade e, ao anoitecer, ainda mantinham seus corpos grudados, suados, como se assim sempre o fora.

(continua)

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

BEATRIZ

Despretensiosa Beatriz, que por tantas vezes sonhou acordada pra não dormir.
Afoita Beatriz, que por tantas vezes meteu os pés pelas mãos e estas nas braguilhas de gajos desavisados.
Insana Beatriz, que por tantas vezes usou a língua para dizer o que não devia e para tantas outras deliciosas coisas a que esse chicote do corpo pode lhe servir.
Beatriz era dessas mulheres da vida que transpiram vida em lençois de cores cafonas.
Beatriz era à toa como o eram os seus pensamentos que vagavam por lugares onde ela nunca pudera estar.
Beatriz foi mãe aos quatorze anos e abriu as pernas para ter seu filho com a naturalidade com que parem as éguas num pasto ao entardecer.
Beatriz nasceu de boa família, foi bem educada e frequentava as missas com sua mãe, embora nunca tivesse sido religiosa.  De religião só entendia nas tardes de Domingo quando metia-se na cama de Padre Luiz e dele extraía mel como se abelha operária fosse.
-  Tu és vagabunda?
- Sim, padre.  Eu sou uma vadia.
- E o que tu acha que merecem as vadias?
- Pau, padre.  As vagabundas merecem pau.
E, assim, passavam-se as tardes dominicais de Beatriz, entre suor e gozo que ela bebia como se um bezerro faminto fosse.
Seu filho crescia e crescia, também, o seu desejo pela lascividade e pelos prazeres que  seu corpo pudesse lhe dar.
Logo, fodia com o padre, com o dono da mercearia, com o médico da cidade e com a mulher deste, quando tempo lhe restava.
Ao completar vinte e dois anos, em sua boceta já haviam entrado todos os paus das redondezas.  Sua boca já havia sorvido o gozo de tantos homens e mulheres que ela nem sequer ousava mais contar.
Dia daqueles, quente como o inferno, Beatriz com seu vestido estampado estava a vagabundear pela praça quando ouviu alguém a lhe chamar.
- Você é a Beatriz, filha de dona Cidinha?
- Sou eu, sim.
- É tu que sabe ler as mãos?
- Olhe, moço.  Eu até lia as mãos, mas, cansei dessas coisas.  Isso não me deu futuro não.
- Ora, pois me disseram que tu viu nas mãos do doutor que ele tinha doença ruim.
- Já lhe disse, moço, eu não quero mais essas coisas pra mim, não.
- E pagando, tú lê?

(continua)

domingo, 1 de agosto de 2010

A LETRA NO CORPO (respostagem do texto integral, à pedido)

Madrugadas podem ser frias, assim como pessoas podem ser cruéis.

Sobre madrugadas e frio eu sempre entendi muito. Afinal, nasci sob o mais rigoroso dos invernos russos e, criado por minha mãe, já que meu pai nos deixou quando eu tinha apenas sete anos, me habituei a passar noites acordado esperando, junto aos estranhos na estação ou olhando o fogo na pequena lareira, que ela voltasse do trabalho.
Meu nome é Alexei e tenho dezessete anos de idade. Na próxima semana é meu aniversário e serei mais um no exército chercheno.
Talvez lhes pareça comum a minha história, mas, é a minha história. Eu não a desejei, alguém a escreveu como eu lhes escrevo agora.
Naquela madrugada fria, fui até a estação esperar por minha mãe. Me sentei, como de costume, no banco mais próximo da parada 19. Acendi um cigarro e observava os vagabundos, os bêbados, aqueles que chegavam e os que partiam. Me perdi em pensamentos até que fui despertado por um sussuro ao ouvido.
- Você tem um cigarro?
Me afastei bruscamente e ao olhar para ele senti uma mistura de paraíso e horror percorrer minhas veias.
- Perdoe se o assustei.
Sua voz parecia ter algo celeste, mas, também, me trazia uma inexplicável angústia.
Igor Tenenko. Este era seu nome.
Um homem alto, com traços que eu poderia reconhecer em mim mesmo no espelho dos vinte anos futuros.
Igor era um oficial do exército e não foi difícil conversarmos por quase uma hora sentados no banco da parada 19.
Logo, nos víamos todos os dias. Logo, eu sabia tudo sobre aquele homem de olhar doce e sombrio, casaco marrom e que me fazia falar de minha vida como nunca falara ao meu melhor amigo ou à minha própria mãe. Neste ponto, o considerava meu irmão, meu pai, meu filho. É claro que essa relação começava a incomodar minha mãe, que não podia entender porque eu deixara a companhia dos amigos pela cumplicidade com o coronel Tenenko. Afinal, dizia ela, mesmo sem o ter visto, ele tem idade para ser seu pai.
Quando o exército russo invadiu a Chechênia, eu já era um soldado.

A guerra se arrastou por cinco longos anos e, nesse período, eu enterrei amigos, matei os que me disseram ser meus inimigos, vi fé se misturando com sangue em todos os dias de confrontos e sofri ao ter que partir de Grozny deixando Igor numa prisão.
Ao retornar à Rostov, encontrei minha mãe doente, morando em um apartamento fétido e pequeno. A cidade havia crescido, as oportunidades de trabalho deixaram de existir e as pessoas pareciam seres de um outro lugar.
Nesta época eu trabalhava numa fábrica de ração. Foram dias insuportáveis em meio ao mau cheiro de restos de frangos, bois e tudo o mais que se pudesse adicionar àquela mistura horrenda e que, ao final, era embalada em vistosas sacolas plásticas com estampas de cães felizes.
A saúde de minha mãe piorava a cada dia, mas, nesse ponto, eu já havia conseguido um lugar melhor para morarmos. Um apartamento pequeno e pintado com uma cor acinzentada que me fazia pensar estar do lado de fora, comigo por dentro.
Foram dois anos de espera, até que numa tarde chuvosa, ao sair da maldita fábrica, pude ver, de novo, os olhos do único ser capaz de me transmitir paz, me acalmar os medos e me renovar esperanças naquela terra gélida e triste.
Os olhos de Igor. Talvez fossem estes os poucos sinais reconhecíveis naquela figura maltratada pela prisão, pela guerra e por ver suas convicções políticas explodirem como que saídas de um tanque de guerra.
Ficamos abraçados por minutos que pareceram uma eternidade. Aquele misto de pai, filho, amor, calor e dor, reacenderam em meu peito como uma brasa encoberta pela neve.
Agora, eu tinha quase vinte e cinco anos. A morte de minha mãe aconteceu um mês depois da chegada de Igor. Ainda me arde na memória a imagem bela de seu rosto naquela caixa escura.
Escuridão. Essa é minha concepção da morte. Um grande e imenso vazio escuro onde permanecemos por um tempo indefinido, até que uma grande luz venha e nos arrebate para o lugar que não nos é permitido conhecer, senão neste sagrado momento.

Fitava impassível o rosto daquela mulher e recordava cada momento passado junto a ela. Minha mente se transformara, por instantes, em uma louca máquina do tempo onde flores e jardins se misturavam a cheiros de cevada e bolos de carne. Lembranças de domingos alegres.
- Vamos?
- Sim, me distraí por instantes.
- Vamos passar por isso juntos.
- Obrigado por estar ao meu lado.
A resposta foram seus braços me envolvendo e, só nesse instante, me dei conta de que ainda não chorara. O fiz com a mais sofrida dor, enquanto as mãos de Igor me acariciavam os cabelos.
- Tenho medo!
- Não tenha! Estou contigo.
Caminhamos abraçados como que migrando para um lugar diferente, ao pôr do sol de setembro.
Agora podia entender o porquê de minha tia manter em sua casa, após anos, todos os pertences de seu amado e falecido marido.
A cada gaveta remexida, uma lembrança. A cada lembrança um sorriso ou uma lágrima. Assim, juntei todas as coisas de minha mãe e as levei ao asilo de Rostov.
Igor conseguira um trabalho no campo, trabalhava na colheita de trigo. Nossos turnos diferentes não nos deixava restar muito tempo para estar juntos. Mas, quando estávamos, o tempo parecia parar, o mundo parecia não ter fim.
Nos meses que se seguiram, nossas vidas pareciam ter, enfim, um caminho a ser trilhado. Nossas esperanças se renovavam a cada dia. Igor ainda trabalhava no campo e, graças às nossas economias, morávamos num bom apartamento onde eu podia cultivar violetas na varanda.

Igor já conseguia lidar melhor com suas lembranças da guerra, graças a sua grande capacidade de recomeçar e ao tratamento psicológico oferecido pelo governo.
Quanto a mim, acreditava que cada dia era um novo nascimento, uma nova porta que se abria para o distanciamento dos horrores vividos no Cáucaso, embora minhas noites ainda fossem povoadas pelo som de gritos, bombas e choro das crianças. O choro das crianças...Esse era o som que mais me atormentava.
- Alexei! Alexei!
Todas as noites tinha a mesma sensação ao despertar dos malditos pesadelos. O rosto triste de Igor e seu abraço na madrugada passaram a fazer parte da insônia que insistia em adentrar o meu mundo, tal qual o ladrão invade casas alheias e as furta sem consentimento.
- Você não pode mais adiar uma consulta ao médico, Alexei. Seus pesadelos têm sido muito constantes, você precisa se livrar dessas dores. Lembre-se que não estamos mais na guerra.
- Me perdoe tê-lo acordado mais uma vez, mas, tenho certeza de que conseguirei me livrar disso sozinho.
- Descanse, conversaremos sobre isso amanhã.
Passei o resto da noite acordado e me amargurava não ter a coragem suficiente para olhar Igor nos olhos e lhe dizer toda a verdade. Logo eu que sempre fora verdadeiro em todas as coisas, agora me deixava morrer por dentro pela dor que causei a quem sequer conhecia.
- Bom dia!
- Café na cama? Não mereço isto depois de ter lhe feito perder sua noite cuidando de mim.
- Cuidaria de você, mesmo perdesse todas as noites de minha vida.
A primavera despontava bela no céu de Rostov. Os canteiros pareciam ter adquirido nova vida e os girassóis agora tinham o mais belo dos tons amarelos.
Igor se esforçava para me arrancar do mundo cinza onde eu mesmo insistia adentrar.
Os passeios pelo parque, as caminhadas pelas vielas vazias, o abraço ao entardecer. Tudo me remetia a um grande vazio, velado pelos sorrisos que, cuidadosamente, não me permitia esquecer. Afinal, pensava eu, Igor passou por momentos piores que os meus. Era como se não me fosse permitido mostrar minha dor. Como se a dor tivesse se tornado um grande segredo do qual só eu mesmo podia compartilhar.
Certa noite, após o jantar, num esforço tamanho, recolhi pratos e talheres e caminhei em direção a cozinha. Podia perceber que Igor me observava, mas não tinha coragem de lhe encarar.
- Alexei!
Me virei rapidamente e lá estava ele, braço apoiado no umbral da porta, me fitando com os mesmos olhos que anos atrás haviam me trazido tanta paz.
- Não pode mais me olhar nos olhos?
- Claro que sim. Por que me pergunta isso?
- Porque há meses você não o faz. Porque há meses percebo seu sorriso obrigatório. Porque há meses não sei quem é você.
- O que você está dizendo não faz sentido.
- Então, me olhe nos olhos.
- Não faça isso.
- Por favor!
Instantaneamente, uma lágrima me desceu o rosto e senti a mão de Igor segurando a minha, como se quisesse arrancar minha dor em um só toque, como se quisesse me abrir o peito e colocar vida onde havia angústia. Olhei para seus olhos e vi que ele também tinha o rosto molhado. O abracei com força e senti suas mãos tocando a cicatriz em minhas costas como fosse um artista a pincelar uma tela.
- Y, Y, Y – ele sussurrava ao meu ouvido enquanto continuava a tocar minhas costas.
Eu não conseguia falar. O choro havia tomado conta de mim como se estivesse mergulhado em um grande pesadelo. As lembranças afloravam tal qual os girassóis do parque. No início amareladas, depois com cores fortes que me faziam gritar em meio aos soluços de meu pranto desenfreado.
- Meu filho não, por favor, meu filho não!
O choro da criança, os gritos da mãe, o abraço de Igor, as imagens se desenhando em minha mente.
- Atire em mim! Meu filho não.
O tiro, o desmaio, a navalha percorrendo minha pele, o Y de Yanko, a criança órfã, minha mãe, Igor, meu pai, a letra no corpo.
Madrugadas podem ser frias, assim como pessoas podem ser cruéis.
Agora entendia mais sobre amor, dor, alegria, entre o bem e o mau.
Agora entendia o grande mistério de mim e não poderia conviver com ele, por isso, parti.

(Para Carlinha que, como eu, tem sua letra no corpo)

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

DEZ ENCONTROS

Encontrei você dia desses e, em minhas loucas contas, parecia ser o nono.
Te mostrei a vista da minha sala, mas, ainda não pude te ver me vendo.
Te levei à uma viagem longa, mas, não pude viajar seu sonho.
Encontrei você no dia que não risquei do calendário e agora me perdi no tempo.
Te levei pra cama e, num transe, dormi com o filho que nunca pude ter.
Te levei pra festa, mas, seu suor me embaçou o ver.
Encontrei você no acaso do desencontro, no ocaso da minha dor.
Porque será que não conto o décimo?
Porque só os milésimos me fascinam?
Se te encontrei em milênios, porque você não vê a minha vista?
Se te encontrei em dia claro, porque não decolo minha aeronave?
Se vou te perder no longe, porque insisto em olhar o breve?
Por quantas vezes terei que estar dentro de ti para te enxergar?
Por quantas vezes terei que te iludir pra me incendiar?
Por quanto tempo sua boca sôfrega ainda irá me inebriar?
Sempre tive encontros rápidos em dias longos.
Sempre medi intensidades como se medem paredes.
Hoje, descobri que, contigo, a regressiva conta não conta mais,
a progressiva já não me apraz.
Tive nove e viraste o décimo milhar de dez encontros.

sábado, 29 de agosto de 2009

PÓLOS

Imantava letras na madrugada
quando encontrei sua agenda.
Meio empoeirada, guardava páginas
do mais puro dos brancos nórdicos.
Passei folhas até chegar à penúltima delas
e, como se especialista fora, decifrei seu
manuscrito que dizia que iríamos junto ao Japão em Novembro.
Logo você que nunca planou comigo, deu pra me
incluir em seus planos.
Logo você que nunca nadou comigo, deu pra
desafiar as leis da minha física.
Logo você que nunca fez ninhos, deu pra
querer me dar mundos.
Passo à próxima folha e me vem o branco
da cegueira de Saramago.
Percebo seu norte, seu sul e seu noroeste.
Logo agora que cismei de colocar a pilha ao contrário,
logo agora que não magnetizo,
logo agora que não imanto.
Logo agora que mudei a direção.
O Japão é do outro lado.
E você, em que pólo está?

domingo, 5 de julho de 2009

Não peque mais

Me perdoe!
Me perdoe por ser enfático.
Me perdoe por não ser dogmático.
Me perdoe por ser tão prático.
Me perdoe por não acreditar nas histórias que você leu
em seu livro preto e que, para mim, sempre pareceram assustadoras.
Me perdoe!
Me perdoe pelas mentiras que contei pra não te ver chorar.
Me perdoe pelas tantas vezes que, com raiva de seu choro,
não consegui te abraçar.
Me perdoe !
Me perdoe por não acreditar no inferno.
Me perdoe por arder de desejo em pleno inverno.
Me perdoe se nunca existirem crianças em sua sala te chamando de avó.
Me perdoe por me sentir tão só.
Me perdoe!
Me perdoe, mãe, porque pequei.
Pequei contra ti quando me geraste,
e a natureza que você chama de Deus
me fez ser o que você denomina “isto”.
Me perdoe!
Me perdoe por ser o melhor da escola,
Me perdoe se eu ainda gosto de jogar bola
Me perdoe por cada instante em que eu te perdôo,
Te olho e te digo baixinho: Vá é não peque mais!

terça-feira, 26 de maio de 2009

APOCALIPE-SE

Recebo os sinais da virgem.
As suas dores, as suas contrações e os seus medos.
Vejo se levantar o anjo que anuncia, espada em punho, a morte do não nascido.
Sinto o calor da espada que parece saída do fogo do inferno.
No fundo de seus olhos posso ver a dor que o faz ser mensageiro de Deus.
Sinto o seu corpo sobre o meu corpo e vejo que ele sangra.
Incestuoso e profano é o seu beijo,
a sua lingua entre meus lábios
e a sua mão que se entrelaça à minha.
Tenho dores ao sentir dentro de mim
o que agora chama de louco.
Vejo se erguer a sua espada flamejante e
a sinto penetrar em meu ventre,
arrancando de mim o que não deveria nascer.
Neste instante, ele grita e monta em seu cavalo
que se funde ao seu corpo.
Sobrevoa minha cama, cura minha ferida
e parte levando consigo o que agora
chama de filho de Deus.