domingo, 27 de abril de 2008

Virgens

Virginianos nascem na primavera,
mas, nem por isso, suas vidas é um mar de rosas.
Virginianos são artistas,
talvez por isso sempre vivam na corda bamba.
Virginianos são precisos,
mas odeiam precisar.
Virginianos são felizes,
mas, nem por isso,
deixam de lado as suas dores imaginárias.
Virginianos são poetas
e, talvez, sejam loucos por isso.
Virginianos têm manias
que nenhum outro mortal consegue entender.
Virginianos amam ser amados
e amam intensamente.
Virginianos se acham perfeitos
e pecam por querer a perfeição dos outros.
Virginianos são libidinosos,
libertários, amantes da vida.
Virginianos querem o mundo,
mas, nem sempre sabem onde estão
os próprios pés.
Virginianos são como peixes que
se deixam fisgar pelos anzóis da vida,
mas, livram-se deles com a facilidade dos
pescadores do mar nórdico.
Virginianos são boas almas,
mas se torturam,
se roem,
se doem,
se machucam
e machucam sem querer.
Virginianos são setembrinos
mas nem por isso deixam escapar
os outros meses de seu calendário louco.
Virginianos dormem pouco por pensar demais.
Virginianos se acham os tais.
Virginianos têm o dom de iludir,
Mas, quase sempre acabam iludidos.
Virginianos amam como poucos,
vivem como loucos,
vivem vagando,
vivem chorando.
Virginianos são seres comuns
tentando bancar super heróis.
Virginianos são Michael Jacksons, Anas Carolinas,
Freddy Mercury e Arnaldos Antunes.
Virginianos têm sorte,
há sempre alguém no imenso zodíaco
que os ama profundamente,
que lhes pode ler a mente
e não os deixa naufragar.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Verbos

Escrevo poemas que você não sabe ler.
Invento teoremas que você não consegue desvendar.
Te conto sonhos que, quisera, você soubesse interpretar.
Te levo prás ruas onde você não pode caminhar.
Entro em sua alma e você não sente o meu transportar.
Saber, conseguir, poder, sentir.
No princípio eram os verbos
e os verbos eram meus.
E os verbos estavam comigo.
E os verbos eram extensão de mim no infinito
do meu mundo.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Codinome

No início te chamava pelo nome.
Talvez por que, no início, só conseguisse ver seu rosto.
Depois te dei codinomes.
Talvez por que, nesse tempo, já tinha lhe enxergado a mente.
Hoje, não sei como te chamo.
Te conheço a alma.
Te conheço o corpo.
Te conheço a fala.
Te conheço no silêncio de dormir.
No início você era um estranho que encantava.
Depois você foi o encanto que me causava estranheza.
Hoje, não sei quem és prá mim.
Te dou codinomes, te chamo por nomes pelos quais
você me atende sorrindo.
Hoje, como nunca faço, olhei a lua cheia,
distante como sempre esteve.
No rádio tocava a canção que pedia prá prestar atenção
à distância entre o seu mundo e o meu.
Estacionei.
Desliguei o rádio.
Corri à sacada.
Olhei a lua e percebi que nunca pisarei em seu solo,
assim como nunca verei o vôo da ave cor de rosa.

terça-feira, 15 de abril de 2008

Rumbas

Sorrateiramente escapar à vida,
displicentemente não amar,
Sorridentemente viajar no ar,
Inocentemente tomar a mão do mar.
Desvendar a tumba de Tutancâmon,
Calmamente respirar,
Loucamente se transportar,
Humildemente te ajoelhar,
Insanamente te elucidar.
Desvendar a tumba de “la Monroe”,
sonhar um sonho de amor,
entrar num rio e ser Namor,
da água escura do Tietê,
do lado negro seu pra ver
de delírios por não morrer.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Devaneio


Abri minha janela e um cavalo alado entrou por ela.
Metade bicho, metade homem.
Doce como a mais aprazível das fêmeas,
voraz como o mais lascivo dos machos.
Tocou minha face e disse palavras numa língua
que não pude compreender,
uma profecia, uma maldição talvez.
Beijou sofregamente meus lábios,
tocou meu corpo com a precisão de um deus.
Arrancou sensações que minha
adolescência jamais sonhara existir,
gozos que nenhum mortal pôde provar.
Deixou em mim o seu cheiro,
sua marca tatuada em minha pele e partiu.
Talvez para o universo onde os seres fadados
à dúbia interpretação vivam em paz.
Quisera fosse um sonho, mas, ainda hoje,
o seu cheiro me vêm à pele,
seu desejo me tortura nas madrugadas
em que louco procuro o outro que devaneia.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

A LETRA NO CORPO (capítulo final)


Nos meses que se seguiram, nossas vidas pareciam ter, enfim, um caminho a ser trilhado. Nossas esperanças se renovavam a cada dia. Igor ainda trabalhava no campo e, graças às nossas economias, morávamos num bom apartamento onde eu podia cultivar violetas na varanda.
Igor já conseguia lidar melhor com suas lembranças da guerra, graças a sua grande capacidade de recomeçar e ao tratamento psicológico oferecido pelo governo.
Quanto a mim, acreditava que cada dia era um novo nascimento, uma nova porta que se abria para o distanciamento dos horrores vividos no Cáucaso, embora minhas noites ainda fossem povoadas pelo som de gritos, bombas e choro das crianças. O choro das crianças...Esse era o som que mais me atormentava.
- Alexei! Alexei!
Todas as noites tinha a mesma sensação ao despertar dos malditos pesadelos. O rosto triste de Igor e seu abraço na madrugada passaram a fazer parte da insônia que insistia em adentrar o meu mundo, tal qual o ladrão invade casas alheias e as furta sem consentimento.
- Você não pode mais adiar uma consulta ao médico, Alexei. Seus pesadelos têm sido muito constantes, você precisa se livrar dessas dores. Lembre-se que não estamos mais na guerra.
- Me perdoe tê-lo acordado mais uma vez, mas, tenho certeza de que conseguirei me livrar disso sozinho.
- Descanse, conversaremos sobre isso amanhã.
Passei o resto da noite acordado e me amargurava não ter a coragem suficiente para olhar Igor nos olhos e lhe dizer toda a verdade. Logo eu que sempre fora verdadeiro em todas as coisas, agora me deixava morrer por dentro pela dor que causei a quem sequer conhecia.
- Bom dia!
- Café na cama? Não mereço isto depois de ter lhe feito perder sua noite cuidando de mim.
- Cuidaria de você, mesmo perdesse todas as noites de minha vida.
A primavera despontava bela no céu de Rostov. Os canteiros pareciam ter adquirido nova vida e os girassóis agora tinham o mais belo dos tons amarelos.
Igor se esforçava para me arrancar do mundo cinza onde eu mesmo insistia adentrar.
Os passeios pelo parque, as caminhadas pelas vielas vazias, o abraço ao entardecer. Tudo me remetia a um grande vazio, velado pelos sorrisos que, cuidadosamente, não me permitia esquecer. Afinal, pensava eu, Igor passou por momentos piores que os meus. Era como se não me fosse permitido mostrar minha dor. Como se a dor tivesse se tornado um grande segredo do qual só eu mesmo podia compartilhar.
Certa noite, após o jantar, num esforço tamanho, recolhi pratos e talheres e caminhei em direção a cozinha. Podia perceber que Igor me observava, mas não tinha coragem de lhe encarar.
- Alexei!
Me virei rapidamente e lá estava ele, braço apoiado no umbral da porta, me fitando com os mesmos olhos que anos atrás haviam me trazido tanta paz.
- Não pode mais me olhar nos olhos?
- Claro que sim. Por que me pergunta isso?
- Porque há meses você não o faz. Porque há meses percebo seu sorriso obrigatório. Porque há meses não sei quem é você.
- O que você está dizendo não faz sentido.
- Então, me olhe nos olhos.
- Não faça isso.
- Por favor!

Instantaneamente, uma lágrima me desceu o rosto e senti a mão de Igor segurando a minha, como se quisesse arrancar minha dor em um só toque, como se quisesse me abrir o peito e colocar vida onde havia angústia. Olhei para seus olhos e vi que ele também tinha o rosto molhado. O abracei com força e senti suas mãos tocando a cicatriz em minhas costas como fosse um artista a pincelar uma tela.
- Y, Y, Y – ele sussurrava ao meu ouvido enquanto continuava a tocar minhas costas.
Eu não conseguia falar. O choro havia tomado conta de mim como se estivesse mergulhado em um grande pesadelo. As lembranças afloravam tal qual os girassóis do parque. No início amareladas, depois com cores fortes que me faziam gritar em meio aos soluços de meu pranto desenfreado.
- Meu filho não, por favor, meu filho não!
O choro da criança, os gritos da mãe, o abraço de Igor, as imagens se desenhando em minha mente.
- Atire em mim! Meu filho não.
O tiro, o desmaio, a navalha percorrendo minha pele, o Y de Yanko, a criança órfã, minha mãe, Igor, meu pai, a letra no corpo.
Madrugadas podem ser frias, assim como pessoas podem ser cruéis.
Agora entendia mais sobre amor, dor, alegria, entre o bem e o mau.
Agora entendia o grande mistério de mim e não poderia conviver com ele, por isso, parti.
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(Para Carlinha que, como eu, tem sua letra no corpo)