quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sem prescrição

Ainda me salga o gosto de sua lágrima no lábio superior.
Ainda queima no ar do apartamento o cheiro de seu último cigarro.
Ainda cintila na noite o brilho de seu último olhar antes do apagar da porta.
Ainda range no vento o escuro do último fechar de luzes.
Ainda me falta no peito o ar de seu último beijo.
Ainda me bombeia a veia o sangue da última emoção de seu toque.
Ainda me dói a ferida aberta.
Ainda me falta a palavra certa.
Ainda não durmo sem seu sono alerta.
Mas, vivo.
Vivo salgado chorando no escuro.
Vivo queimando cigarros na madrugada.
Vivo brilhando em palcos sem convite.
Vivo rangendo dentes.
Vivo com apnéias breves.
Vivo tocando.
Vivo falando.
Só dormir é que não consigo.
Não me afetam as anfetaminas depois que
me levaste, sem prescrição de outra,
a última receita azul.

12 comentários:

Sonzeira do Dia disse...

É o que eu sempre digo! "leve meu coração, mas deixe meu rivotril!"

Te amo amado... Achei digno!

Friendlyone disse...

Sentimentos descritos de forma excelente... Exprimidos perfeitamente.

Beijos! Te amo!

:-)))

Camilla Tebet disse...

Lindo! para quem sente que fica com pouco, uma receita azul ajuda, não é? Mas sabe, ainda vives tocando, falando, mesmo que em palcos sem convite... Como dói ferida abert, não? Mas quando cicatriza também dói. O bom é dormir enquanto isso, por isso providencie outra receita azul, caro poeta.
beijos

Jacinta Dantas disse...

Queimando, brilhando, rangendo, tocando, falando...vivendo, com e apesar da saudade, apesar da insônia, o gosto salgado persiste.
Bom demais te ler agora.
Abração

Anônimo disse...

Insonia? Tenho dormido, mas sonhos constantes tem me incomodado, seu texto conseguiu fazer o que a meu ver, deve ser o propósito da poesia: causar as mais variadas interpretações e mais importante, causar sentimentos presentes na vida de quem à lê. abç.

Otavio de Castro disse...

é o extremo do extremo...
belo texto..
abração

Dauri Batisti disse...

As palavras que mais se repetem no seu texto dizem: AINDA VIVO.

RENATA CORDEIRO disse...

Amigo, estou como vc, com exceção do cigarro que parei há dois anos e meio. Quero conhecer vc. Vá ao meu blog. Postei sobre o filme Across the Universe e enchi o blog de poemas.
wwwrenatacordeiro.blogspot.com/
não há ponto depois de www
Um abraço,
RENATA MARIA PARREIRA CORDEIRO

Joice Worm disse...

Parece com a Insutentável leveza do ser..

Germano Viana Xavier disse...

Beto, meu amigo, você está vivo.
E tua poeisis também...

"Ainda" é palavra de esperança e a gente vive morrendo.

A morte é só um dia.

Sempre aqui.

Abraços de sempre e sempre.

Germano
Aparece...

Anônimo disse...

Ah, como doem as pequeninas lembranças que ficam marcando um compasso de dor quando o ser amado não está mais ao nosso lado... como doem!

Soubeste bem precisar esse momento, com um poema que toca profundamente a alma da gente!

Ficam flores e estrelas enfeitando a noite do teu sonhar, e sorrisos e beijos para te acompanhar durante a semana.

aluaeasestrelas disse...

Apesar do texto dispensar comentários, preciso dizer: Que delícia ler isso. E quantas verdades nas entrelinhas. Muito lindo mesmo!!!
Vou parecer repetitiva: mas parabéns! Vc escreve muito bem!
Bjos.