sexta-feira, 14 de março de 2008

A LETRA NO CORPO (capítulo segundo)


Quando o exército russo invadiu a Chechênia, eu já era um soldado.
A guerra se arrastou por cinco longos anos e, nesse período, eu enterrei amigos, matei os que me disseram ser meus inimigos, vi fé se misturando com sangue em todos os dias de confrontos e sofri ao ter que partir de Grozny deixando Igor numa prisão.
Ao retornar à Rostov, encontrei minha mãe doente, morando em um apartamento fétido e pequeno. A cidade havia crescido, as oportunidades de trabalho deixaram de existir e as pessoas pareciam seres de um outro lugar.
Nesta época eu trabalhava numa fábrica de ração. Foram dias insuportáveis em meio ao mau cheiro de restos de frangos, bois e tudo o mais que se pudesse adicionar àquela mistura horrenda e que, ao final, era embalada em vistosas sacolas plásticas com estampas de cães felizes.
A saúde de minha mãe piorava a cada dia, mas, nesse ponto, eu já havia conseguido um lugar melhor para morarmos. Um apartamento pequeno e pintado com uma cor acinzentada que me fazia pensar estar do lado de fora, comigo por dentro.
Foram dois anos de espera, até que numa tarde chuvosa, ao sair da maldita fábrica, pude ver, de novo, os olhos do único ser capaz de me transmitir paz, me acalmar os medos e me renovar esperanças naquela terra gélida e triste.
Os olhos de Igor. Talvez fossem estes os poucos sinais reconhecíveis naquela figura maltratada pela prisão, pela guerra e por ver suas convicções políticas explodirem como que saídas de um tanque de guerra.
Ficamos abraçados por minutos que pareceram uma eternidade. Aquele misto de pai, filho, amor, calor e dor, reacenderam em meu peito como uma brasa encoberta pela neve.
Agora, eu tinha quase vinte e cinco anos. A morte de minha mãe aconteceu um mês depois da chegada de Igor. Ainda me arde na memória a imagem bela de seu rosto naquela caixa escura.
(to be continued...)

4 comentários:

Friendlyone disse...

Gostei muito do segundo capítulo, ansiosa pra saber no que vai dar!

:-)))

Luciana Cecchini disse...

Nossa, quantos detalhes, quanto sentimento. Que história! Tbem estou ansiosa... nao demore! please...

Bjo

Dauri Batisti disse...

oi amigo,

que bom este teu trabalho.
Continue firme.

Jacinta Dantas disse...

Li o primeiro capítulo e senti uma intensidade...Agora, aqui, vou acompanhando o olhar interior da personagem sobre o que sobra do exterior.
Um abraço
Jacinta